Ultima Recordação
Estou sentado nesta pedra
Contemplando o mar
Vendo as ondas irem e voltarem
Vendo o céu ao entardecer
Vendo a estrela Dalva chegar
Estou sozinho e triste
Estou vendo a morte chegar
Estou Velho
Vivo da lembrança do passado
Sou um negro gaúcho acabado
Lembro do tempo que era jovem
Quando sai de Vacaria
Para lutar na Revolução Farroupilha
Lembro do meu corcel negro
Que era o mais veloz do Rio Grande
Fui guerreiro
Fui homem de verdade
Furava a carcaça dos inimigos
Com a minha espada e a velha pistola
Fui bandido
Fui herói
Fui mulherengo
Fui um bom amante
Fui escravo
Fui torturador
Lembro de minhas andanças proscritas
Lembro das chinas que amei
Das lutas que lutei
Da lágrima que derramei
Da prenda morena que beijei
Da oração que rezei
Do filho que deixei
Do inimigo que matei
Da canha que bebi
Do mate que saboreei
Do cavalo que galopei
Sentia prazer em lutar
Em acabar com o inimigo
E no fim me encheram de marcas de espadas e pistolas
Fui perseguido
Torturado
Hoje estou aqui
Velho e acabado sem poder lutar
Lembro da china morena
Chamada Sónia
Que tinha um sorriso lindo
Uma pele macia
cabelos sedosos
Quando a beijava me sentia bem
Me sentia mais humano
O passado corre em minha mente
Passo as mãos em meus cabelos
Sinto que são velhos como eu
Estou vendo a estrela Dalva
Correr o céu
O sol está desaparecendo no horizonte
Eu fico pensando o que tem além do horizonte?
A minha visão escurece
Me sinto mais leve
Vejo uma mulher vestida de negro
Ela me chama
E diz que se chama morte
Ela vem e me abraça apertado
Olho para ela vejo que a morte chegou
Olho para ela vejo que a morte chegou
Ela é prenda que eu conheci chamada Sonia
Ela me leva para um lugar estranho
E eu vejo os portões grandes se abrirem
Vejo Nossa Senhora da Aparecida
Vejo Jesus Cristo me receber
Vejo que tem a minha cor
Sinto feliz em ver os meus amigos que já morreram
Daí eu sinto que estou morto
Autor: Paulo Furtado (1983)
Zumbi Não Morreu
1988 Centenário da Abolição da Escravatura Homenageamos os negros do Brasil
Que fizeram esse país uma grande nação
Apesar da tristeza e da dor do dia a dia
Viemos alegres cantar a cultura do negro
Não esquecemos
O líder dos Palmares
Zumbi, negro de raça
Negro de fibra
Que morreu como herói
Do aruê, aruê um axé nos te damos
lá no aruê do Brasil
Onde tu és herói
Zumbi, Zumbi tu não morreu
Tu estás vivo em nossos Quilombos.
Autor: Paulo Furtado
Arquivado em: Música
Esperança de Solitário
Faz tanto tempo que não ti vejo mais
Faz tanto tempo que não vejo teu rosto lindo
Tua pele morena
Teu sorriso
Teus olhos negros
Teus cabelos negros
Não lembro mais nem do som de tua voz
A primavera chegou
As flores desabrocharam
Os pássaros voltaram a cantar
Eu voltei a sorrir
Caminho pelas ruas
Vejo garotas lindas
Mas infelizmente nenhuma é como você
Você me desprezou
Me humilhou
Me ignorou
Eu não ti amo mais
Foi uma pena não ter te conquistado
Foi uma pena você não me querer
Queria tanto que você fosse minha
Mas o destino não quis
A primavera está batendo no meu coração
E com ela veio a esperança
De encontrar um grande amor
Encontrar a mulher dos meus sonhos
Olho para o horizonte
Olho para as flores
E sinto que o grande amor vai aparecer a qualquer momento na minha vida para me fazer eu me tornar mais feliz
Autor: Paulo Furtado (1983)
Índio Desconhecido
Lembro que era um piá
Quando sentado numa pedra
Acompanhava a boiada
Passando
E no horizonte via um índio cavalgando
Num cavalo branco
Seus cabelos compridos
Eram agitados pelo Minuano
Trazia uma lança em punho
Peito nu queimava com o sol
Possante ele cavalgava
Diziam que era Sepé Tiaraju
Outros diziam que era um demónio
Uns diziam que era um cacique vindo de Aruanda
Mas ninguém sabia quem era ele
Eu via aquele bravo indio lutar contra os castelhanos
Eu torcia por ele
Mas nunca o tinha visto de perto
Olho para o céu azul
Vejo a fumaça das fábricas
Vejo homens armados para matar o seu semelhante
Vejo Americanos e Russos fazerem armas atômicas
Vejo o Índio acabar
Vejo a brincadeira das crianças,
Inocentes que não sabem em que mundo cruel e desumano estão,
Escuto a voz de uma criança cantar
Vejo o Congresso Nacional revogar
Leis salariais idiotas de nosso governo
Vejo as escolas militares
Vejo jovens promissores em suas carreiras
Mas vejo menores abandonados que também poderiam estar nessas escolas
Vejo os homens de verde
Cantarem o hino nacional
E falarem em lei de segurança nacional
Vejo o descaramento deles
Em se considerarem brasileiros
Vejo grandes nomes da política
Da imprensa e da música
Serem exilados pela sua opinião
Vejo a festa nacional de meu país
O Carnaval ser festa para palhaço dos gringo
Olho para a linda mulata
Vejo ela sambar com alegria
Vejo o povo cada dia mais pobre
Vejo os salários diminuírem cada vez mais
Vejo os alimentos cada dia faltarem nas mesas dos brasileiros
Antes as crianças em meu país
Tinham a boca suja de feijão
E agora tem a boca roxa de fome
Vejo o negro continuar a ser discriminado
Vejo as mulheres serem violentadas
Vejo a máfia matar e roubar
Vejo prostitutas venderem seu corpo para se alimentarem e se vestirem
Vejo o soldado jovem ir para uma guerra e morrer
Vejo crianças roubarem e matarem
Vejo os nossos rios ficarem cada vez mais poluídos
Veja a vegetação desaparecer
Vejo as nossas plantas alimentícias serem envenenadas por inseticidas
Vejo os jovens procurarem os tóxicos como diversão e fuga
Vejo as multinacionais penetrarem livres em meu país
Vejo o F.M.I impondo regras para os homens de verde
Um dia de manhã cedo
Eu vi ele morrer
E ser espetado pelas espadas dos castelhanos
E tombar no chão ensangüentado
Cheguei perto dele
Levei um susto
Aquele índio tinha a minha cara
Uma vez desceu do céu
E iluminou o seu corpo
E uma voz veio do céu
Dissendo que aquele índio
Se parecia comigo porque era o meu espírito
O índio era eu
Autor: Paulo Furtado (1983)
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