quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Poemas de Paulo Furtado

Ultima Recordação

Estou sentado nesta pedra

Contemplando o mar

Vendo as ondas irem e voltarem

Vendo o céu ao entardecer

Vendo a estrela Dalva chegar

Estou sozinho e triste

Estou vendo a morte chegar

Estou Velho

Vivo da lembrança do passado

Sou um negro gaúcho acabado

Lembro do tempo que era jovem

Quando sai de Vacaria

Para lutar na Revolução Farroupilha

Lembro do meu corcel negro

Que era o mais veloz do Rio Grande

Fui guerreiro

Fui homem de verdade

Furava a carcaça dos inimigos

Com a minha espada e a velha pistola

Fui bandido

Fui herói

Fui mulherengo

Fui um bom amante

Fui escravo

Fui torturador

Lembro de minhas andanças proscritas

Lembro das chinas que amei

Das lutas que lutei

Da lágrima que derramei

Da prenda morena que beijei

Da oração que rezei

Do filho que deixei

Do inimigo que matei

Da canha que bebi

Do mate que saboreei

Do cavalo que galopei

Sentia prazer em lutar

Em acabar com o inimigo

E no fim me encheram de marcas de espadas e pistolas

Fui perseguido

Torturado

Hoje estou aqui

Velho e acabado sem poder lutar

Lembro da china morena

Chamada Sónia

Que tinha um sorriso lindo

Uma pele macia

cabelos sedosos

Quando a beijava me sentia bem

Me sentia mais humano

O passado corre em minha mente

Passo as mãos em meus cabelos

Sinto que são velhos como eu

Estou vendo a estrela Dalva

Correr o céu

O sol está desaparecendo no horizonte

Eu fico pensando o que tem além do horizonte?

A minha visão escurece

Me sinto mais leve

Vejo uma mulher vestida de negro

Ela me chama

E diz que se chama morte

Ela vem e me abraça apertado

Olho para ela vejo que a morte chegou

Olho para ela vejo que a morte chegou

Ela é prenda que eu conheci chamada Sonia

Ela me leva para um lugar estranho

E eu vejo os portões grandes se abrirem

Vejo Nossa Senhora da Aparecida

Vejo Jesus Cristo me receber

Vejo que tem a minha cor

Sinto feliz em ver os meus amigos que já morreram

Daí eu sinto que estou morto

Autor: Paulo Furtado (1983)


Zumbi Não Morreu


1988 Centenário da Abolição da Escravatura Homenageamos os negros do Brasil

Que fizeram esse país uma grande nação

Apesar da tristeza e da dor do dia a dia

Viemos alegres cantar a cultura do negro

Não esquecemos

O líder dos Palmares

Zumbi, negro de raça

Negro de fibra

Que morreu como herói

Do aruê, aruê um axé nos te damos

lá no aruê do Brasil

Onde tu és herói

Zumbi, Zumbi tu não morreu

Tu estás vivo em nossos Quilombos.

Autor: Paulo Furtado
Arquivado em: Música

Esperança de Solitário

Faz tanto tempo que não ti vejo mais

Faz tanto tempo que não vejo teu rosto lindo

Tua pele morena

Teu sorriso

Teus olhos negros

Teus cabelos negros

Não lembro mais nem do som de tua voz

A primavera chegou

As flores desabrocharam

Os pássaros voltaram a cantar

Eu voltei a sorrir

Caminho pelas ruas

Vejo garotas lindas

Mas infelizmente nenhuma é como você

Você me desprezou

Me humilhou

Me ignorou

Eu não ti amo mais

Foi uma pena não ter te conquistado

Foi uma pena você não me querer

Queria tanto que você fosse minha

Mas o destino não quis

A primavera está batendo no meu coração

E com ela veio a esperança

De encontrar um grande amor

Encontrar a mulher dos meus sonhos

Olho para o horizonte

Olho para as flores

E sinto que o grande amor vai aparecer a qualquer momento na minha vida para me fazer eu me tornar mais feliz

Autor: Paulo Furtado (1983)


Índio Desconhecido

Lembro que era um piá

Quando sentado numa pedra

Acompanhava a boiada

Passando

E no horizonte via um índio cavalgando

Num cavalo branco

Seus cabelos compridos

Eram agitados pelo Minuano

Trazia uma lança em punho

Peito nu queimava com o sol

Possante ele cavalgava

Diziam que era Sepé Tiaraju

Outros diziam que era um demónio

Uns diziam que era um cacique vindo de Aruanda

Mas ninguém sabia quem era ele

Eu via aquele bravo indio lutar contra os castelhanos

Eu torcia por ele

Mas nunca o tinha visto de perto

Olho para o céu azul

Vejo a fumaça das fábricas

Vejo homens armados para matar o seu semelhante

Vejo Americanos e Russos fazerem armas atômicas

Vejo o Índio acabar

Vejo a brincadeira das crianças,

Inocentes que não sabem em que mundo cruel e desumano estão,

Escuto a voz de uma criança cantar

Vejo o Congresso Nacional revogar

Leis salariais idiotas de nosso governo

Vejo as escolas militares

Vejo jovens promissores em suas carreiras

Mas vejo menores abandonados que também poderiam estar nessas escolas

Vejo os homens de verde

Cantarem o hino nacional

E falarem em lei de segurança nacional

Vejo o descaramento deles

Em se considerarem brasileiros

Vejo grandes nomes da política

Da imprensa e da música

Serem exilados pela sua opinião

Vejo a festa nacional de meu país

O Carnaval ser festa para palhaço dos gringo

Olho para a linda mulata

Vejo ela sambar com alegria

Vejo o povo cada dia mais pobre

Vejo os salários diminuírem cada vez mais

Vejo os alimentos cada dia faltarem nas mesas dos brasileiros

Antes as crianças em meu país

Tinham a boca suja de feijão

E agora tem a boca roxa de fome

Vejo o negro continuar a ser discriminado

Vejo as mulheres serem violentadas

Vejo a máfia matar e roubar

Vejo prostitutas venderem seu corpo para se alimentarem e se vestirem

Vejo o soldado jovem ir para uma guerra e morrer

Vejo crianças roubarem e matarem

Vejo os nossos rios ficarem cada vez mais poluídos

Veja a vegetação desaparecer

Vejo as nossas plantas alimentícias serem envenenadas por inseticidas

Vejo os jovens procurarem os tóxicos como diversão e fuga

Vejo as multinacionais penetrarem livres em meu país

Vejo o F.M.I impondo regras para os homens de verde

Um dia de manhã cedo

Eu vi ele morrer

E ser espetado pelas espadas dos castelhanos

E tombar no chão ensangüentado

Cheguei perto dele

Levei um susto

Aquele índio tinha a minha cara

Uma vez desceu do céu

E iluminou o seu corpo

E uma voz veio do céu

Dissendo que aquele índio

Se parecia comigo porque era o meu espírito

O índio era eu

Autor: Paulo Furtado (1983)

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